sexta-feira, 11 de junho de 2010

TEATRO - ELES NÃO USAM BLAK-TIE

TEATRO - ELES NÃO USAM BLAK-TIE


texto de Gianfrancesco Guarnieri
direção de Chico Expedito
Brasilia 1978



ELES NÃO USAM BLAK-TIE  

(Memória do diretor)

A montagem foi um daqueles casos raros que de vez em quando acontecem em teatro. Quando o diretor e o elenco, sem ter todas as certezas, contam mais com a intuição, estão em perfeita sincronia com o seu tempo e público, com seus anseios e necessidades de discussões. E isso não só em Brasília, por onde passávamos a peça era um sucesso. Brasília, Goiânia, Rio de janeiro e São Paulo, talvez Belo Horizonte, não lembro. Fomos também a Barreiras na Bahia, terra do Bené 70, Produtor do espetáculo e ator. A época era a que se chamava de ”distensão” ou “abertura lenta e gradual”, as greves e manifestações estavam pipocando na UNB em Brasília e no ABC em São Paulo.
De caso pensado a montagem foi conduzida para um “planfetarismo” imediatista, que eu achei que a época exigia. O texto havia sido retirado da censura de onde descansava há 20 anos, segundo o Bené 70. A técnica e as teorias de B. Brecht, caiam como uma luva para o nosso tempo e nós as usamos largamente. Nessa época, o “inimigo” era visível, sabíamos com quem, e contra o que lutávamos.
O elenco era afiado e equilibrado, com destaques para as interpretações do Gê Martu e da Tina, que fizeram trabalhos acima da média. A peça tinha um ritmo forte, conduzido em grande parte pela trilha sonora, que na maioria do tempo era executada dentro do próprio palco por uma “bateria de escola de samba”. Ela pontuava momentos de alegria e de tensão, quando necessário. Outras músicas foram usadas como “A voz do morro”, do Zé Queti, ao som de um surdo solitário, dava um clima ainda romântico para “favela” daqueles tempos. Esse clima “romântico e idealizado” da classe operária foi mantido durante todo o espetáculo, a própria peça, mesmo na época, já sugeria isso.
O Cenário todo em madeira crua, seco, com toques de uma realidade difícil, continha nos interiores, só objetos necessários para ação, que eram movimentados pelo elenco, a partir do que a cena exigia.  O resto do cenário criava a ambientação e ocupava grande parte do teatro com uma rampa que sugeria uma ladeira, um grande muro onde as cenas do “coro” aconteciam e um símbolo da justiça, com o prato do coletivo pendendo mais para baixo, tudo em madeira e pesado. Era sugestivo e foi criado pelo Murilo Ekart, que também fazia parte do coro. Algumas fotos estão nessa postagem.
O figurino acompanhava a cores do cenário, muito caqui, preto, branco e alguns tons fortes em vermelho, o sangue sempre era uma possibilidade naquele universo.
A luz apenas acompanhava a ação, sem efeitos, toda ela em branco, às vezes na platéia. O público via toda a movimentação dos atores, a montagem era Brechtiana e fazíamos questão de não esconder nada através de “efeitos”. O diferencial era que, contrariando Brecht, eu puxava para “emoções fortes”, sempre que o texto e a ação me deixavam.
O “coro” era a novidade, composta por vários atores. Eles, com uma mudança de postura, uma virada de capacete e o apoio de alguns instrumentos, como cassetetes ou panfletos e faixas, latas de tinta, etc.(as faixas eram produzidas em cena), hora se transformava em operários, hora em policiais. Dentre as cenas que mais davam certo, uma era quando os operários distribuíam para platéia as faixas, cartazes e panfletos que incitavam a greve e pediam para que os ficassem segurando, para em seguida (o coro), se transformarem em policiais e passarem a tomar a força, esses cartazes, panfletos e faixa do público. Isso não tinha tempo certo para acabar, nem a reação era a mesma, dependia do dia e da disposição da platéia e rendeu bons momentos ao espetáculo. (alguns engraçados, de luta entre o público e o elenco).
Por conta de toda essa movimentação, da bateria, da identificação com o momento, etc., as reações das platéias eram variadas a cada cidade que apresentávamos: No Rio sempre acabava em festa com o público invadindo o palco e dançando; em São Paulo, algumas sessões viraram comícios, pessoas na platéia faziam pequenos discursos após o espetáculo. Coincidência ou não, uma vez o elenco foi parado pela policia com armas nas mãos em baixo de um viaduto em São Paulo. Sem motivo aparente, apenas foram revistados e levaram um susto. Eu pessoalmente nunca sofri nenhuma agressão nem ameaça, a não ser as criticas (algumas maldosas), usuais dos meus pares, coisa normal para uma época de paixões fortes.
Coincidência ou não, o filme “Eles não usam Blak-Tie” com o Guarnieri e a Fernanda Montenegro, realizado anos mais tarde, trazia muitas cenas inspiradas na nossa montagem.

Chico Expedito
Rio/Janeiro/2012





programa e ficha técnica






























imprensa (amostra)











fotos
































































































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